sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A arte que deprecia a ciência

Um monstro sádico de guarda pó branco trancado em um laboratório cheio de cobaias.  A imagem dos químicos disseminada pela literatura e pelo cinema é negativa, afirmam cientistas. O químico é mostrado como um maníaco diabólico e perigoso, obsessivo, secreto e arrogante. 
Cientistas estão preocupados com a imagem pública da química. A revista alemã Hyle , especializada em debater a filosofia dessa ciência, trouxe uma edição com artigos voltados a analisar o papel da química na literatura e no cinema. A conclusão mostra uma visão popular negativa dessa disciplina, praticada por alquimistas ou cientistas malucos que desenvolvem em laboratórios obscuros venenos que oferecem perigo à humanidade e ao meio ambiente.
Os alquimistas estão na raiz da mistificação da atividade desses cientistas que ganhou espaço nos livros e nos filmes. Figuras vistas como os únicos detentores do poder de transformar qualquer metal em ouro, com a lendária pedra filosofal, os alquimistas eram temidos por seu saber mágico e sobrenatural, capaz de dar vida a homúnculos e de favorecer privilegiados com elixires da juventude.
Vista como uma prática que envolvia magia negra e astrologia, foi considerada heresia – aqueles que com ela se envolviam só podiam estar compactuados com o demônio. Na literatura, a imagem popular dos alquimistas inspirou a construção de personagens como Fausto, o cientista que vendeu a alma ao diabo, o monstro de Frankenstein, ou o cruel Doutor Moreau, cientista que ignora os gritos de dor de suas cobaias animais, segundo a análise da química Roslynn Hayes, da Universidade da Nova Gales do Sul, na Austrália.
Não muito longe dessa caracterização está a figura dos químicos no cenário de hoje, segundo Hayes. “A literatura e os filmes atuais mostram o químico como um maníaco diabólico e perigoso, obsessivo, secreto e arrogante”, afirma ela em seu artigo. “Alquimistas e cientistas são representados como pessoas com valores diferentes dos outros, preparados para sacrificar homens e animais por seus experimentos”.
Na química praticada nos filmes e livros, a busca pelo conhecimento justifica qualquer prejuízo, seja através de efeitos colaterais, poluição ambiental ou contaminação genética. “Todo o glamour atingido com o sucesso de uma experiência se transforma em cinzas quando a mesma vira um desastre imprevisível“, explica Hayes. “É o exemplo de Frankenstein, cuja tragédia começa no momento em que o experimento dá certo”.
Em outro artigo da revista, o sociólogo alemão Peter Weingart, do Instituto de Pesquisa Científica e Tecnológica, na Alemanha, analisou 400 filmes que trazem personagens ou histórias associadas ao discurso científico. A química fica em terceiro lugar na ordem de disciplinas mais abordadas, sendo 24% desses filmes de terror, 13% de suspense e outros 13% comédia. Segundo a análise de Weingart, mais de metade dos filmes estudados apresentava a ciência de forma fantasiosa, irreal – 47% abordavam o tema de forma não-ficcional.
“A química não está sozinha nessa posição. A imagem da medicina e da física ainda é pior. Podemos concluir que as ciências mais poderosas são também as vistas com maiores suspeitas”, conclui o sociólogo. Filmes recentes como O enviado (2004) e O sexto dia (2000) abordam a questão da clonagem e deixam explícitas as ansiedades e medos associados à idéia de criação de um ser humano pela ciência. Em ambos os filmes as experiências de clonagem, obviamente, não dão certo. Sucessos de bilheteria como Jurassic Park e Erin Brockovich também não hesitam em implicar cientistas nos mais deferentes tipos de desastres.
Para Roslynn Hayes, os próprios químicos mantêm até hoje atitudes que perpetuam o estereótipo criado. “Os símbolos, fórmulas e teorias usados na química são tão opacos para os leigos quanto eram os dos alquimistas em sua época. Também falham ao não demonstrarem preocupação ética e moral pelos impactos de suas pesquisas”, afirma. Weingart está de acordo com essa análise: segundo ele, o que os filmes populares mostram é que os químicos não conseguem se comunicar com os leigos, apesar de todos os benefícios gerados por sua ciência.

Com a palavra, os químicos.

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